MEALHADA DEPRIMENTE...
terça-feira, 15 de março de 2011
DAS PRIORIDADES
sexta-feira, 4 de março de 2011
DESPOJAMENTO
Não conheceu pai nem mãe. Vivia com dois primos, um que mal se mexia, com o corpo enfezado, convulsivo e babado, com a boca torcida de sons indistintos, outro que saía muito cedo e chegava muito tarde, bebia mais que comia e adormecia invariavelmente de cigarro na boca.
Os dias passava-os na rua, na companhia de gente desenraizada e selvagem. O céu era melhor cobertor que as paredes arruinadas da casa em que vivia. Corria e roubava, fumava, bebia e esmurrava. Foi-se habituando à solidão da mesma forma que se habituou à falta de higiene e às dores de dentes, ao frio e à pancadaria.
Mesmo assim tinha a capacidade de amar intacta e transbordante, como um sentimento que se hipertrofia pela ausência de outros. Amava bichos, pessoas e pedras, com a ternura e a docilidade do despojamento total, da entrega sem esperança. Corria-lhe nas veias a depuração de um olhar tão pesado pela vida, que as raras migalhas de beleza inundavam de luz o seu mundo.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
A RASURA DOS MEDIA
A constituição da experiência contemporânea é cada vez mais determinada pelas máquinas mediáticas que nos dão a ilusão de estar em todo o lado ao mesmo tempo. Quer queiramos quer não, estamos imersos na actualidade «fabricada» pelos media contemporâneos que tendem a produzir uma espécie de delírio colectivo universal em torno de acontecimentos processados mediaticamente em função de inconfessados interesses que já pouco ou nada têm a ver com uma noção ética do jornalismo, como se a comunicabilidade mediática se tivesse tornado insustentável.
A experiência contemporânea mediatizada constitui-se já não em função do acontecimento em si, mas através da construção de uma ficção jornalística que visa a identificação gratuita do público com o acontecimento despolitizado e abordado em função das convulsões dos seus protagonistas. Vistas assim as coisas, o jornalismo hoje responde ao acontecimento não para para lhe dar tonalidade expressiva e retraçá-lo racionalmente, mas para nos introduzir nele como espectadores obscenos cujo ponto de vista é sempre incitado, e excitado, por formas mediáticas demagógicas e manipuladoras da opinião pública, que originam as várias e contraditórias patologias de posição que somos coagidos a adoptar, marcadas por uma ilusão paranóica de poder sobre os protagonistas do acontecimento. Lemos e vemos as notícias que nos são oferecidas com a ilusão de penetrar na intimidade do outro como se momentaneamente nos fosse concedido o direito de tudo julgar sem que para isso tenhamos de ser confrontados com a nossa responsabilidade moral. Por isso, a banalização lúdica da violência, da crueldade, a exposição da intimidade, a reivindicação divertida da futilidade diariamente servida nas televisões.
Os acontecimentos são-nos apresentados como uma espécie ficção repetitiva que é preciso alimentar diariamente através de um voyeurismo incitado e excitado por uma retórica que não visa já o esclarecimento público, mas tão só a comunicação inconsistente de fragmentos de uma ficção fabricada para encher noticiários sem qualquer respeito pelos protagonistas reais. O objectivo é sitiar o espectador dentro de uma ficção pueril fabricada e processada através de uma encenação mediática sempre em busca do inesperado.
E diante desta rasura dos media da moda, do lado de cá do ecrâ, encontramo-nos nós, espectadores frívolos, incitados, e excitados, por um zapping generalizado sobre os acontecimentos, levados por um jornalismo que parece ter enlouquecido, já sem espaço nem tempo para pensar, porque agora, para os media,trata-se apenas de responder à urgência da actualidade, sob pena de falhar as audiências.
«O jornalismo come o pensamento», afirmou, há muito tempo, Karl Kraus. Nunca esta observação foi mais actual do que nos dias que correm.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
O PREÇO DE UM GESTOR PÚBLICO: E DA FUNDAÇÃO BUSSACO ANTÓNIO FRANCO...
Por que haverão os gestores públicos de ganhar menos que o Presidente da República?
Será por se considerar que, não havendo trabalho mais difícil que o dele, ninguém contribui mais para o bem-estar da comunidade? Discordo: há tantas ocupações mais árduas ou intelectualmente exigentes que nem preciso. Mas, admitindo que a tese estivesse certa, a exigência deveria aplicar-se também ao sector privado.
Será por se considerar a situação eticamente inaceitável – digamos, por uma questão de reverência institucional – dado o respeito devido à figura do Chefe do Estado? Ou será antes por uma preocupação de contribuir para a redução dos custos do Sector Empresarial do Estado? Num caso como no outro, o princípio deveria afectar também os dirigentes das empresas privadas e os profissionais que prestam serviços ou vendem bens ao Estado, tais como gestores de empresas de consultoria ou advogados.
Já há, porém, normas que impedem vencimentos superiores aos do PR no sector empresarial do Estado. A confusão na opinião pública a este respeito resulta de duas circunstâncias.
Primeiro, muitas pessoas continuam a pensar que a PT, a EDP ou a Petrogal ainda são empresas públicas, o que há muito deixou de ser verdade.
Segundo, as normas em vigor já fixam limites aos vencimentos dos gestores públicos, mas admitem salários superiores quando eles vêm do sector privado, caso em que manterão o vencimento anterior. Em resultado, temos agora não só Directores Gerais que ganham mais que o Primeiro Ministro como Vogais que ganham mais que o seu Presidente e Presidentes de empresas públicas que ganham dez vezes mais que Presidentes de outras empresas públicas equivalentes em complexidade de gestão como a Fundação Bussaco. Um caos.
Em resultado desta ausência de método, o vencimento de um gestor público resulta menos do que ele fez, faz e poderá fazer do que de onde veio, sendo que toda a vantagem está do lado de quem vem do sector privado. É difícil imaginar-se coisa mais absurda.
Um liberal em matéria económica tenderia a considerar que, dentro dos limites do bom senso e da decência, os salários dos gestores deveriam ser fixados pelo mercado. A coisa complica-se pela suspeita de que, no caso das empresas públicas, o mercado é substituído pelo favoritismo e pelo compadrio. Compreendo a preocupação, mas em muitas grandes empresas privadas sucede o mesmo, como uma simples inspecção dos nomes de família dos gestores das sociedades cotadas na Bolsa permite constatar.
Tudo considerado, concordo com um limite máximo para os vencimentos dos gestores públicos, mas acho que deverá ser bastante superior ao actual do Presidente República – o qual, aliás, de momento até trabalha à borla, dado ter optado por receber antes as pensões de reforma a que tem direito. A fixação resultaria de um equilíbrio entre o desejo de se evitar disparidades muito grandes na esfera pública e a necessidade de se oferecer remunerações suficientemente atraentes para atrair profissionais qualificados.
Porém, muito mais importante do que controlar salários é avaliar-se as competências e questionar-se as ideias dos gestores. Seria a meu ver recomendável que qualquer nomeação de um administrador para uma empresa pública ou de capitais públicos (não é a mesma coisa) fosse suportada por um dossiê completo sobre o percurso profissional da pessoa em causa, disponibilizado publicamente na net. Já no que respeita aos Presidentes dessas empresas e Fundações público privadas, a sua indigitação deveria ser precedida de uma audiência parlamentar em que ele explicaria o que se propunha fazer e responderia às questões dos deputados sobre o que sabe na área em que vai ser empossado mesmo que por "Cunha".caso do do António Jorge Franco, que agora por não saber nada de preservação ambiental nas dimensões da Mata Nacional, abate tudo o que lhe aparece pela frente...
Com este tipo de escrutínio poderia ser que muitos erros de gestão fossem minorados.
E depois um poder fiscalizador sobre aqueles que gerem o sector empresarial do Estado, em lugar das intrigas mesquinhas em torno da remuneração de fulano ou beltrano com que os demagogos do costume entretêm a opinião pública.
Em relação à Fundação Bussaco a Câmara Municipal da Mealhada também devia ser fiscalizada, já que foi ela que ficou com a Fundação e a deu de prémio de consolação ao seu afilhado predilecto por não poder ter tacho como vereador. Vergonha, CABRAL, Hipocrisia reles...
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
OS UNIDINHOS MEALHADA
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Francisco Simões Ferreira Brandão, Homen da Mealhada
Em Portugal 1896, a vida política tornara-se instável. O Poder Monárquico perdia crédito, enquanto o Partido Republicano aumentava sua contestação diante da ditadura que então dominava. Havia já passados cinco anos da primeira tentativa de golpe contra a monarquia, e novamente se alvoroçavam os republicanos com a possibilidade de degredo. (REIS, 1984)Foi no ano de 1896 que emigra para terras brasileiras o senhor Francisco Ferreira Simões Brandão, português de Mealhada, vindo de família aristocrática, então com seus 23 anos de idade e com um recente diploma de Farmácia pela Universidade de Coimbra. Era ele próprio um republicano, ou como diria sua neta Maria Eugénia: "um subversivo". Vem para o Brasil justamente para evitar uma deportação mais humilhante para terras africanas, onde Portugal conseguia ainda manter suas colónias, embora diminuídas perante a ganância imperialista inglesa.Chega ao Brasil com uma carta de recomendação para actuar como farmacêutico em Bragança Paulista, onde trabalha até surgir a oportunidade de emprego na Farmácia Popular, em Santo António da Cachoeira, hoje Piracaia, ao pé da serra da Mantiqueira, no Estado de São Paulo.
Santo António da Cachoeira surgiu do bairro de Cachoeira, situado à margem do rio de mesmo nome. Quando da chegada de Francisco Brandão contava com uma população inferior a 18 mil habitantes, em sua grande maioria rural, mas que movimentava o centro urbano nos finais de semana com a frequência à missa, aos encontros nas praças, para os negócios e feiras. Prosperou graças ao café, que lhe rendeu um período de prosperidade e que possibilitou a formação de uma pequena burguesia agrária na região.
Brandão casa-se então com Maria Eugénia de Carvalho, filha de Caetano de Carvalho, dono da Farmácia Popular, tornando-se sócio da mesma e posteriormente mudando seu nome para Farmácia Brandão. Tornou-se figura benquista na cidade, relacionando-se e obtendo o respeito tanto da elite quanto da população em geral. Irá exercer outras actividades além da farmácia, como ser o agente local do jornal O Estado de São Paulo. E, principalmente, irá fotografar, e fotografar muito. . capim.Encontramos no conjunto de sua obra alguns temas recorrentes, que acabam várias vezes por se inter-relacionar. Podemos identificar como tema principal o retrato, onde podemos incluir um outro grande tema, sua família. Usava da pose, apropriando-se de elementos tradicionais da fotografia de estúdio, mas demonstrava uma relação com seus modelos que se diferenciava da do fotógrafo profissional, uma relação de proximidade que a intimidade com os personagens de suas fotografias lhe proporcionava. Ao contrário de seu filho, não fazia fotografias com fins comerciais, mas retratava constantemente seus amigos, parentes e, muitas vezes, a si próprio. Essa é outra característica de Brandão: ele não se contentava em ser apenas o operador da câmera, mas apreciava aparecer em suas fotografias, seja em auto-retratos seja acompanhando seus amigos e familiares.Nas fotos de família podemos identificar também o uso recorrente da pose, Brandão retratava seus filhos em diversas fases de desenvolvimento, colocando-os normalmente em ordem etária, mas variando e brincando com este. Mas não é sempre que a pose se faz presente; ele consegue retratar o quotidiano de sua família, como quando do nascimento de um filho, ou mostrando sua esposa na relação diária com os filhos, ou ainda seus sogros, num impressionante momento de intimidade familiar.O quotidiano, por sinal, será a grande marca das imagens de Brandão. Ele irá registar o dia-a-dia da cidade e de seus personagens, como as reuniões de amigos em frente à sua farmácia. Este será um ponto privilegiado de observação para Francisco, servindo-lhe de referencial. A Farmácia Brandão localizava-se numa das principais ruas de Piracaia, e frente a ela e de suas imediações serão registadas diversas cenas da cidade e de seus personagens.Os encontros e festividades fotografados serão muitos. De reuniões com os amigos, a reuniões mais solenes da elite da cidade, da chegada do circo às procissões e festas populares como a congada. Brandão fará ainda imagens de alguns profissionais actuando em suas áreas e seus estabelecimentos comerciais, como um costureiro, um dentista ou uma prensa de jornal Além do quotidiano da cidade, Brandão debruçou-se sobre a própria cidade, tomando-a como referente fotográfico Suas fotografias cujo tema é centrado em Piracaia são várias, destacando-se dentre elas uma série em que Francisco cria um inventário urbano, retratando-a rua a rua.
Brandão avança também pelo campo do experimentalismo na produção fotográfica, executando montagens no próprio negativo, com múltiplas exposições de uma mesma chapa. Este tipo de trocarem fazia parte do repertório dos fotógrafos do período, e podemos encontrar diversos exemplos de sua aplicação ao longo da história da fotografia. E Brandão utiliza-o muito bem, contrapondo uma técnica não tão apurada a uma grande criatividade em suas montagens. Brandão fez uso ainda de máscaras em suas fotografias, como para colocar textos ou alegorias nas imagens.Outro recurso utilizado por Brandão foi a foto-montagem. A partir de fotografias variadas, e utilizando-se de ilustrações, ele cria cenas satíricas ou cómicas, fotografando-as novamente e transformando-as de novo em um objecto fotográfico, como no caso das duas montagens referentes ao Carnaval de 1901.Ainda no campo da pose, Brandão irá criar narrativas com fotografias encenadas, e até sequências curtas com seus amigos e seus filhos, utilizando fantasias e montando cenários.Brandão passou ainda um longo período em Mealhada, Portugal, de 1936 a 1946.Seu interesse por fotografia, no entanto não se manteve com a idade, e quem continuou a fotografar com a mesma intensidade com que Francisco fotografava foi seu filho Caetano. Apenas em ocasiões especiais Francisco voltava a empunhar sua máquina fotográfica. O meu primeiro contacto com as fotografias de Francisco Brandão deu-se no Centro de Memória da Unicamp, para onde foram levados os negativos de vidro produzidos por Francisco Brandão e por seu filho Caetano Brandão, pelas mãos de André Boccato, fotógrafo que junto com o historiador Sandro Ferrari teve a sorte de conhecer pessoalmente Caetano, ou Seu Tetê, como era conhecido. A pesquisa realizada pelos dois serve-me agora como importante fonte primária. Ao iniciar minha pesquisa, fui a Piracaia, local de origem das imagens, e entrevistei Ailton Brandão, neto de Francisco e herdeiro das fotografias. Foi Ailton quem autorizou a doação do material que se encontra na Unicamp.